quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Brasil Arab

Elas vão à luta também na Arábia Saudita

Mulheres que participaram de missão empresarial brasileira ao Oriente Médio contam como foi negociar no país mais conservador do mundo árabe. Os resultados foram surpreendentes.
Alexandre Rocha alexandre.rocha@anba.com.br
São Paulo – Havia certa preocupação sobre a recepção que seria dada, na Arábia Saudita, às mulheres que integraram a missão empresarial do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior ao Oriente Médio (MDIC), realizada de 28 de novembro a 06 de dezembro. Afinal, o país é o mais conservador da região. Lá, a interação entre pessoas de sexos opostos, que não tenham relação de parentesco, é desencorajada, e as mulheres devem se cobrir com abaya, robe preto que vai sobre a roupa, e lenço na cabeça.
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Marlucia: mudança de um ano para o outro


A delegação brasileira desembarcou em Riad, a capital saudita, em 03 de dezembro, uma sexta-feira, que para os muçulmanos é dia de descanso e oração comunitária, equivalente ao domingo dos cristãos. Para o dia seguinte, estava marcada rodada de negócios com empresários locais, no hotel Al Faisaliah, que fica em um importante complexo comercial na área central da cidade.

Vestidas como manda o figurino local, as brasileiras foram à luta como fizeram nas demais paradas da missão: Damasco, na Síria, Cidade do Kuwait, Doha, no Catar, e Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos. A ansiedade, no entanto, logo passou, quando perceberam que o tratamento dispensado não era diferente do que receberam nos outros países, e que os empresários que compareceram queriam negócios, independentemente do sexo do negociador.

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Al Faisaliah, local do evento
“Eu me surpreendi muito mais porque no ano passado foi muito difícil, fui praticamente barrada na porta da feira”, disse a carioca Marlucia Martire, da trading ALM Brazil, única mulher do grupo que esteve na Arábia Saudita anteriormente. Em 2009, ela foi a Riad com a intenção de participar da Saudi Agro-Food, mostra alimentos e produtos agropecuários, mas foi impedida de entrar no recinto do evento, onde só havia homens.

Marlucia contou que todos os empresários com quem conversou na rodada já entraram em contato por e-mail ou telefone desde que ela voltou ao Brasil. Um deles, por exemplo, está interessado em comprar água de coco e coco ralado da Ducoco, marca que sua empresa representa.

Na mesma linha, Simaia Zonta, da TTBG Comércio Exterior, de Santa Catarina, que exporta chás, disse que a maior diferença que sentiu em relação aos outros países, que têm costumes mais liberais, foi a necessidade de se cobrir. “Com todo o respeito à cultura local, eu não via a hora de tirar [a abaya e o lenço]”, afirmou. “Mas o tratamento [pessoal] foi igual, não me senti excluída”, ressaltou.

A roupa

Denizy Alves, da Govidros, de Goiás, participava pela primeira vez de uma missão internacional. Ela disse que estava com receio de como seriam os encontros na Arábia Saudita, mas tudo correu de forma tranquila. Assim como Simaia, Denizy disse que o principal incômodo foi com a vestimenta. “Incomoda um pouco, a gente não dá conta de colocar [o lenço] como elas (as mulheres sauditas), então ele cai. Não estava quente, então não sofri tanto”, declarou. “Eu gosto de viver o momento, foi diferente, então eu gostei, foi uma boa experiência”, destacou. Marlucia, por sua vez, pediu ajuda a mulheres locais para colocar o lenço corretamente.

Arquivo pessoal Arquivo pessoal
Fernanda no aeroporto de Riad
No caso de Fernanda Tavares, da Ruette Spices, que comercializa pimenta do reino, o lenço teimou em não ficar na cabeça. “Sentou um [empresário] atrás do outro [na mesa] e eu não tive tempo de arrumar”, afirmou. “Eu fiquei com medo de alguém não parar [para conversar] por eu ser mulher e estar sem véu, mas não tive problema nenhum. Ninguém deixou de falar comigo”, ressaltou.

Sobre o uso da abaya e do lenço, Cristina Guerreiro, também da Ruette Spices, de Campinas, contou: “Inicialmente eu me senti fora do meu ‘habitat natural’, como se estivesse indo a um baile a fantasia. Mas depois eu percebi que diferente seria se eu estivesse vestida como no Brasil. Mesmo com o lenço caindo, eu fiz questão de usar por respeito à cultura local.”

Empresárias locais

Mais do que mulheres oferecendo os produtos brasileiros, havia na rodada empresárias locais em busca de negócios. Cristina não só atendeu uma delas, como almoçou com a potencial cliente. “Era um importadora de produtos diversos, uma pessoa que conhece o mercado e seu telefone não parou de tocar durante o almoço”, disse. “Ela sabia o que estava procurando, não caiu de paraquedas”, afirmou. “Ela era altamente negociadora”, acrescentou Simaia, que também conversou com a saudita. Aliás, a empresária local fez contatos com boa parte das empresas brasileiras.

A empresária saudita usava, além da abaya e do lenço, um “niqab”, véu que cobre o rosto deixando apenas os olhos de fora. Na hora do almoço, que reuniu os empresários dos dois países, a saudita disse que não podia mostras sua face em público, então convidou Cristina para almoçar em uma sala reservada.
Arquivo pessoal Arquivo pessoal
Cristina com empresário saudita casado com brasileira


Ela contou à brasileira que é de uma família bastante tradicionalista, mas o pai, comerciante e poliglota, acabou influenciando o gosto da filha pelos negócios. Casada e mãe de três filhos, a empresária saudita disse que tem que conciliar o trabalho com os afazeres domésticos. “Ela falou bastante sobre negócios e sobre a cultura [local], e eu falei muito sobre o Brasil”, disse Cristina.

Outras mulheres apareceram na rodada, como Iara Silva, carioca que se converteu ao Islã e foi morar na Arábia Saudita com o marido e o filho. Ela tem uma empresa de representação comercial e é assídua frequentadora de eventos com empresários brasileiros na Arábia Saudita. Outra brasileira foi ao encontro junto com o marido, um saudita que fala português.

Análises

Para Cristina, o tratamento profissional que as brasileiras receberam em Riad é fruto do próprio meio em que elas trabalham. “Pessoas que trabalham com comércio exterior estão acostumadas a lidar com outras culturas. Eu não tenho nenhum comentário que não seja positivo”, garantiu, mas acrescentou: “Somente pela delegação [do MDIC] eu tive a oportunidade de estar no país para fazer meu trabalho.” Ela destacou que não se sentiu tão à vontade quando foi passear em um shopping center ao lado do hotel.

Marlucia ouviu de empresários sauditas que o país começa a oferecer certo grau de abertura, permitindo acesso a alguns lugares de mulheres estrangeiras em viagens de trabalho, e que mulheres nativas, acompanhadas dos maridos, realizam também atividades de negócios.

“Desde que sejam respeitados os limites culturais, a mulher tem entrada em qualquer lugar”, disse Marlucia. “Em 2009 [na Saudi Agro-Food], eu tentei ir além e me choquei”, destacou ela, acrescentando que, para quem viaja a negócios, o ideal é não ultrapassar os limites impostos pela cultura do país visitado.